terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Accueil

Não acredito que fiquei quase um ano sem escrever no blog! Meu plano era continuar documentando todas as nossas experiências, mas a falta de tempo venceu... Enfim.

Tem um assunto que faz tempo que queria escrever aqui, que é o início da vida escolar das crianças imigrantes. Eu já falei um pouco sobre isso, mas não lembro o quanto então vou tentar fazer um post mais completo.

As crianças imigrantes que chegam no Québec e não falam o Francês vão para um curso especial chamado Accueil ("acolhimento" em Português). O objetivo desse curso é aprender Francês e a cultura do Québec. A duração depende da idade da criança, mas muita gente fica no mínimo um ano.

Nosso filho tinha 6 anos quando chegamos aqui e tinha acabado de terminar o primeiro ano no Brasil. Ele já sabia ler e escrever, e amava muito ir para a escola.

Aqui no Canadá criança e mulher tem prioridade em tudo, então nem pense naquelas burocracias do Brasil para inscrever seu filho no accueil. Pelo menos aqui em Gatineau é só ir na escola mais próxima com alguns documentos, fazer a inscrição e aguardar o telefonema.

No nosso caso alguém da comissão escolar ligou uns dois dias depois, já tinham a data de início do nosso filho e informações sobre o transporte escolar que é uma vanzinha do tipo que existe no Brasil. Aqui você tem direito a transporte escolar se mora mais longe do que 800 metros da escola. Normalmente as famílias moram no mesmo bairro onde os filhos estudam, mas no caso do Accueil só tem duas escolas em Gatineau que oferecem o curso, então é provavel que você vai precisar do transporte. É uma vanzinha, que leva e trás a criança. Funciona muito bem, e é grátis.

Agora vamos falar sobre a parte ruim. A escola que oferece esse curso aqui em Gatineau não é muito boa. Aqui no Canadá a qualidade da escola está ligada com a qualidade do bairro. Eles chamam os bairro ruins de quartier defavorisé ('bairro desfavorecido"), que são bairros onde as pessoas tem renda baixa e/ou vivem  de ajuda do governo. A maior escola que oferece o Accueil em Gatineau fica num bairro assim. Quando entrei na escola a primeira vez, tive a impressão de estar visitando uma escola pública no Brasil, e não foi um sentimento bom.

Eu pensei "bom, o que importa é ele ter um bom curso". Mas aí veio outra decepção. A classe era uma mistura de várias idades e vários níveis de escolaridade diferentes, com crianças de toda parte do mundo. Havia crianças com nível muito bom, estudando com crianças que mal tinham tido  oportunidade de estudar até então. Um conhecido brasileiro ficou revoltando, ao ponto de tirar o filho de lá e tentar pular a fase do accueil (isso não é regra e não é recomendado, não sei o que deu).

E para piorar, nosso filho detestou tudo isso. Ele chorava e não queria ir p/ a escola. Em parte isso é uma fase normal, pois ele não entedia nada do que falavam. Mas mesmo assim, dói na gente que é pai e mãe. Ele voltava da escola pendindo p/ voltar p/ o Brasil, não queria estudar e não queria assistir TV em Francês (o que era recomendado pela professora).

Foi uma fase bem difícil, durou um pouco mais de um mês. Lá para o segundo e terceiro mês, ele começou a falar um pouco de Francês e começamos a conseguir fazê-lo estudar. Aí fizemos algo que foi chave para melhorar a integração dele: como já era primavera, os parques do nosso bairro abriram e começamos a levar ele para brincar com as crianças nativas. Fazíamos isso todo dia e começamos a estudar forte com ele em casa.

Vieram as férias de verão no meio do ano. Ele já estava com um nível bom de Francês e tinha começado a gostar da escola de Accueil, pois ele começou a fazer amiguinhos e a se integrar melhor no dia a dia da escola. Nas férias ele foi p/ a colônia de férias do governo, onde ele ficou bem imerso com crianças nativas.

Na volta as aulas, ele estava bem empolgado e aí foi quando ele deslanchou de vez. Parou de ver qualquer coisa em Português no computador e passou a assistir TV como assistia no Brasil (mas com programas daqui). Ele começou a misturar o Francês o Português quando brincava sozinho, agora é bem raro ele usar o Português para brincar, mesmo quando brinca com a gente.

Em Novembro veio a grande surpresa. Fomos chamados na escola e recebemos a notícia que devido ao ótimo desempenho do nosso filho, ele estava apto a ser transferido para a escola normal! Nós ficamos imensamente felizes, primeiro pela conquista dele, segundo porque ele iria estudar na escola do nosso bairro, que é uma escola excelente.

Você consegue imaginar como ele recebeu essa notícia?

Ele não queria mudar! Ele chorou, brigou, ele queria ficar lá! Aí passamos por outra fase de ter que convênce-lo que a mudança seria melhor para ele. Até que ele aceitou.

A nova escola é muito boa, mesmo. O primeiro mês foi um pouco difícil, porque ele esqueceu um pouco de matemática e outras coisas, mas ele já recuperou. Hoje, eu creio que posso dizer que ele é totalmente fluente em Francês e o Francês dele é infinitamente melhor que o meu. Ah, ele não gosta de ir à Ottawa, porque o povo lá fala Inglês :)

Agora, tem um outro lado. Quando estamos no Brasil, soa bonito dizer que nosso filho fala outra língua. É uma habilidade que todo pai quer que o filho tenha. Mas aqui a língua não vem sozinha. Dia a dia, pouco a pouco, eu vejo a nossa cultura brasileira desaparecer no nosso filho. Pouco a pouco, ele não entende uma piada. Pouco a pouco, ele esquece um desenho que ele gostava. Esquece uma palavra, esquece como dizer algo. Pouco a pouco, ele está adquirindo uma outra cultura. Uma cultura que é diferente para nós adultos, e muito provavelmente nunca a teremos por completo. Isso não é algo ruim nem algo bom. É apenas um fato que foi um tanto inesperado por mim.